O LOUCO INFRATOR: NARRATIVAS EM PROCESSO CRIMINAL

Autores

  • à‰der Mendes de Paula
  • àquila Raimundo Pinheiro Lima
  • Marcos Antà´nio de Carvalho Rosa
  • Lucas Ferreira Costa

Resumo

INTRODUÇÃO
[MARCOS] FILHO DE MIGRANTES NORDESTINOS HABITAVA O DISTRITO DE APARECIDA DO RIO CLARO EM MONTES CLAROS DE GOI�S NA DIVISA COM O MATO GROSSO, EXERCIA A PROFISS�O DE TRATORISTA. A FAMÍLIA DE ORIGEM HUMILDE NÃO ERA UMA DAS MAIS CONHECIDAS DA PEQUENA CIDADE, NO ENTANTO, UM FATO ESPEC�FICO RETIRA DO ANONIMATO SEUS INTEGRANTES E PRINCIPALMENTE [MARCOS].
EM JULHO DE 1993 PADRE PEDRO, COMO ERA CONHECIDO O VIG�RIO HOLAND�S PETER GERARDUS BERKENS, FOI ASSASSINADO NA PORTA DA IGREJA COM UMA FACADA QUANDO SA�A DE SUA CASA PARA A MISSA. O CRIME ATORDOOU A CIDADE DE MAIORIA CATÓLICA, MUITOS DISSERAM VER UM HOMEM SENTADO NA PORTA DA CASA DO PADRE DURANTE TODA A TARDE DAQUELE DOMINGO, OUTROS DESCREVERAM SEU PORTE F�SICO E SUAS ROUPAS POR V�-LO PASSAR CORRENDO COM UMA FACA NA M�O APÓS O PADRE SER GOLPEADO.
ESTES ELEMENTOS LEVAM � PRIS�O DE [MARCOS] E, UM CRIME APARENTEMENTE SEM JUSTIFICATIVAS, CONSIDERADO UM ATO DE INSANIDADE MENTAL, DEVIDO � REPRESENTA��O SOCIAL QUE CERCAVA A V�TIMA. ASSIM, ESTE SUJEITO PASSA FIGURAR EM UMA DUPLA CATEGORIA DE EXCLUS�O, A DOS LOUCOS INFRATORES, E A EMERGIR SEU CRIME E SUA POSS�VEL DOEN�A MENTAL DESDE OS DEPOIMENTOS TOMADOS PELA AUTORIDADE POLICIAL � FINALIZA��O DO INQU�RITO. NESTE SENTIDO, [MARCOS] SE DIFERENCIA DA COMUNIDADE PELO ASSASSINATO QUE COMETE E, NA BUSCA PELA RACIONALIDADE DO FATO, ELE � CONSTRU�DO A PARTIR DAS NARRATIVAS DAS TESTEMUNHAS E NÃO MAIS POR SUA INDIVIDUALIDADE.
O PROCESSO CRIMINAL SURGE COMO UM ESPA�O EM QUE NARRATIVAS SOBRE O LOUCO, O CRIME E A LOUCURA SE ENTRELA�AM CONSTITUINDO OS DIFERENTES SUJEITOS E ESPECIFICANDO O ATO DELITUOSO COMO FRUTO DE UMA INSANIDADE MENTAL. OU SEJA, OS CRIMES QUE FEREM DETERMINADA LÓGICA OU QUE VERSAM REQUINTES DE CRUELDADE SÃO MUITAS VEZES J� RELACIONADOS AOS DIST�RBIOS MENTAIS E OS AUTOS MOSTRAM-SE COMO ESPA�OS DE POSS�VEIS INTERPRETA��ES DE TAIS NARRATIVAS.
OS DISCURSOS PRODUZIDOS SÃO CONTEXTUALIZADOS COM A MENTALIDADE DE CADA �POCA, POSSIBILITANDO A EMERS�O DE CARACTER�STICAS QUE PERMITEM CONCEBER AS IMPRESS�ES E RELA��ES SOCIAIS DE OUTROS ESPA�OS DE TEMPO.
NÃO OBSTANTE � A POSSIBILIDADE DE PERCEBER AS DIFERENTES FORMAS DE CONCEP��O E RELA��ES QUE UM CONCEITO POSSUI EM UM DETERMINADO MOMENTO, OU SEJA, A VISUALIZA��O DE SUAS TRANSFORMA��ES AO LONGO DO TEMPO. O LOUCO - POR EXEMPLO - OU O SIGNIFICADO SOCIAL
A ELE ATRIBU�DO ENCONTROU CONTINUIDADES E RUPTURAS E, DA MESMA FORMA, AO ESTAR RELACIONADO COM O CONCEITO DE CRIME TAMB�M POSSIBILITA OUTRA GAMA DE INTERPRETA��ES.
NESTE SENTIDO, OS PROCESSOS CRIMINAIS SE TORNAM UM ESPA�O PROP�CIO PARA ANÁLISE DAS RELA��ES ENTRE A SOCIEDADE E ESTES INDIV�DUOS CONSIDERADOS LOUCOS INFRATORES, POIS, A PE�A PROCESSUAL TAMB�M ESTÁ INSERIDA EM UM CONTEXTO E NOS AUXILIA A COMPREENDER DE QUE FORMAS A LEI CONCEBIA OU SILENCIAVA ESTAS MULHERES E HOMENS AO LONGO DO TEMPO.
� PRECISO, NO ENTANTO, TER ACUIDADE METODOLÓGICA AO TRATAR A FONTE, BUSCAR ELEMENTOS QUE PERMITAM RELACIONAR O PROCESSO COM O CONTEXTO EM QUE O MESMO � PRODUZIDO. ASSIM, � POSS�VEL PERCEBER AS REPRESENTA��ES CONSTITU�DAS SOCIALMENTE REFERENTES � V�TIMA E AO CRIMINOSO ATRAV�S DAS NARRATIVAS DAS TESTEMUNHAS. A PRIMEIRA QUESTÃO QUE SE FAZ IMPERIOSA EM RELAÇÃO AO PROCESSO CRIMINAL � A CONSCI�NCIA DE QUE OS PERSONAGENS QUE O COMP�EM NÃO EST�O ALI VOLUNTARIAMENTE, FOSSEM V�TIMAS, QUERELANTES, SUSPEITOS OU DELINQUENTES, NENHUM DELES SE IMAGINAVA NESSA SITUA��O DE TER DE EXPLICAR, DE RECLAMAR, JUSTIFICAR-SE DIANTE DE UMA POL�CIA POUCO AF�VEL. SUAS PALAVRAS SÃO CONSIGNADAS UMA VEZ OCORRIDO O FATO, E AINDA QUE, NO MOMENTO, ELAS TENHAM UMA ESTRAT�GIA, NÃO OBEDECEM � MESMA OPERA��O INTELECTUAL DO IMPRESSO. REVELAM O QUE JAMAIS TERIA SIDO EXPOSTO NÃO FOSSE A OCORR�NCIA DE UM FATO SOCIAL PERTURBADOR. DE CERTO MODO, REVELAM UM NÃO DITO (FARGE, 2009, P. 13).
NESTE SENTIDO, O FATO JAMAIS SER� ALCAN�ADO NOVAMENTE OU REVIVIDO, O MESMO � RECONSTITU�DO A PARTIR DE REPRESENTA��ES, A PARTIR DA MEMÓRIA DE INDIV�DUOS PRESSIONADOS PELO APARATO POLICIAL E IMBU�DOS DE SENTIMENTOS EM RELAÇÃO AO CRIME.
MATERIAL E M�TODOS
O PRESENTE TRABALHO BASEOU-SE NO M�TODO INDUTIVO E DA MICRO-HISTÓRIA, PARTINDO DO CASO DE [MARCOS] PARA SE ALCAN�AR QUEST�ES MAIS AMPLAS, ASSIM, PRETENDEU-SE OBSERVAR O CONTEXTO PARTICULAR E ARTICULA-LO NA GENERALIDADE. UTILIZOU-SE COMO FONTE EMP�RICA O PROCESSO CRIMINAL E COMO PESQUISA, A BIBLIOGR�FICA COM O EXAME DE LIVROS E OUTROS TRABALHOS CIENT�FICOS QUE AGREGARAM CONHECIMENTO PARA A ELABORA��O DESTE E AUXILIARAM NA CONTEXTUALIZA��O DO PROBLEMA APRESENTADO.
RESULTADOS E DISCUSS�ƑO
A NARRATIVA DOS DEPOIMENTOS � DE CERTA MANEIRA DIRECIONADA, AS PERGUNTAS ESTABELECEM O TEOR E AO MESMO TEMPO AS TEM�TICAS A SEREM ABORDADAS NAS RESPOSTAS. NESTE �MBITO, AS NARRATIVAS ORIUNDAS DAS INQUIRI��ES POLICIAIS PODEM ABRIR UM LEQUE DE INTERPRETA��ES SOBRE DADA REALIDADE E SOBRE AS RELA��ES SOCIAIS ALI EXISTENTES.
O PROCESSO CRIMINAL � FORMADO POR DIVERSAS VOZES QUE SE CRUZAM, CONSTITU�DO POR V�RIAS PARTES QUE LHE DÃO UMA VIS�O DO TODO. DAS DIVERSAS PE�AS QUE CONSTITUEM O PROCESSO, OS DEPOIMENTOS DAS TESTEMUNHAS E OS RELATÓRIOS DA POL�CIA QUE FECHAM O INQU�RITO SER�O OBSERVADOS PARA A ANÁLISE EM QUESTÃO. A ESCOLHA DESTE MATERIAL ESPEC�FICO
� JUSTIFICADA POR SER A ETAPA QUE POSSIBILITA PERCEBER, A PARTIR DO PLANO DISCURSIVO, COMO O CRIME VAI SENDO CONTADO E NARRADO NA MULTIPLICIDADE DE OLHARES DAS TESTEMUNHAS.
O PRÓPRIO APARATO POLICIAL NOS INTERROGATÓRIOS E A ESCOLHA DAS PALAVRAS PARA A PRODUÇÃO DO INQU�RITO, CORRESPONDE A UM TEXTO, DENTRO DO TEXTO.
[...] NÃO H� ENUNCIADO EM GERAL, ENUNCIADO LIVRE, NEUTRO, INDEPENDENTE: MAS SEMPRE UM ENUNCIADO FAZENDO PARTE DE UMA S�RIE OU DE UM CONJUNTO, DESEMPENHANDO UM PAPEL NO MEIO DOS OUTROS, NELES SE APOIANDO E DELES SE DISTINGUINDO: ELE SE INTEGRA SEMPRE EM UM JOGO ENUNCIATIVO, ONDE TEM SUA PARTICIPA��O, POR LIGEIRA E �NFIMA QUE SEJA (FOUCAULT, 2009, P. 112).
EM RELAÇÃO AOS PROCESSOS JUDICIAIS, ESSA RELAÇÃO ENTRE OS ENUNCIADOS � BEM VIS�VEL. DE UM LADO TESTEMUNHAS CONSTROEM O CRIME DE VIS�ES DIFERENTES, O QUE VARIA DE SUA PROXIMIDADE COM V�TIMA OU ASSASSINO, A POL�CIA E OS RELATÓRIOS DOS INQU�RITOS, DEFESA E ACUSA��O, SÃO ENUNCIADOS QUE PARTEM TAMB�M DE JULGAMENTOS MORAIS DO CRIME.
ESSA TEIA DISCURSIVA NÃO ESTÁ ISENTA DAS RELA��ES DE PODER QUE AS PERMEIAM, QUE CRIAM INTERMEDIA��ES ENTRE UM E OUTRO EM UMA DISPUTA PELO STATUS DE VERDADE. POR MAIS T�CNICA QUE SEJA, PORTANTO, A FORMA��O DA PE�A PROCESSUAL NÃO ESCAPA DE INFLU�NCIAS DOS LOCAIS DE FALA OCUPADOS PELOS AGENTES DE SUA PRODUÇÃO.
EXISTE AINDA OUTRO FATOR QUE CORROBORA PARA ESSA CRIA��O SUBJETIVA DO PROCESSO CRIMINAL, AINDA QUE OBEDECENDO A UMA T�CNICA ESPEC�FICA:
� A ATRIBUI��O DE VALORES NÃO EQUIVALENTES A CADA PARTICIPANTE DA TRAMA PROCESSUAL, QUALIFICANDO-SE O VALOR DOS TESTEMUNHOS E O PESO DAS EVID�NCIAS DE ACORDO COM CRIT�RIOS EXTRA-LEGAIS. FICA EVIDENTE, AO SE ANALISAR UMA S�RIE DE ATOS CRIMINAIS (PROCESSO, INQU�RITO, PORTARIAS E TERMOS), QUE A REPRESENTA��O DO PAPEL SOCIAL DO ATOR (ACUSADO, OFENDIDO, QUEIXOSO, TESTEMUNHA) POR PARTE DOS "MANIPULADORES T�CNICOS", APROVEITANDO A EXPRESSÃO CUNHADA POR MARIZA CORR�A, INTERFERE NO RUMO DOS ATOS SUBSEQUENTES E NA PRÓPRIA FOR�A DE SUAS PALAVRAS. A CHANCELA DA "ACUIDADE" TESTEMUNHAL DEPENDE DE UMA S�RIE DE VALORES MAJORADOS OU MITIGADOS EM FUN��O DE ELEMENTOS QUE ORBITAM FORA DA ESFERA JUR�DICA E QUE SE JUNGEM � COR, AO SEXO, � ORIGEM, � POSI��O SOCIAL, AO PASSADO, EM SUMA, �S VIRTUALIDADES DO FALANTE (SOUZA, 2009, 167).
NÃO OBSTANTE �S CONCEP��ES SUPRACITADAS, PROP�E-SE AGORA A ANÁLISE DOS DEPOIMENTOS DAS TESTEMUNHAS DO PROCESSO DE [MARCOS], CASO APRESENTADO NA INTRODUÇÃO.
A PRIMEIRA TESTEMUNHA FOI ASSENTADA NO DIA 05 DE JULHO DE 1993, NA CIDADE VIZINHA DE IPOR�, AFINAL, [MARCOS] FOI TRANSFERIDO EM VIRTUDE DE AMEA�AS � SUA INTEGRIDADE F�SICA. SALVAGUARDANDO OS NOMES ENVOLVIDOS - UTILIZA-SE AQUI DE PSEUD�NIMOS - [NEIDE] BARBOSA ERA SOBRINHA DE [MARCOS].
NAQUELE DIA, SEU TIO HAVIA CHEGADO EM SUA RESIDÊNCIA �S 12:30 HORAS FICANDO EM SUA COMPANHIA E DE UMA �€ŒMENININHA�€ AT� �S 14:30 HORS VENDO TELEVIS�O.
QUE A DEPOENTE SE ENCONTRAVA DEITADA NO CH�O DA CASA, REPAROU QUE �€ŒTATA�€ (APELIDO FAMILIAR DE [MARCOS]), LEVANTOU-SE DO SOF�, ONDE ESTAVA DEITADO, E SE DIRIGIU AT�
A COZINHA DA CASA, SAINDO LOGO EM SEGUIDA EM DIRE��O DA PORTA DA SALA [...] CHEGOU NOVAMENTE NA CASA DA IRM� DA DEPOENTE, COM A AFEI��O DE CANSADO, PARECENDO QUE ESTAVA CORRENDO, QUE [MARCOS] DISSE � DEPOENTE �€ŒSE ALGU�M CHEGAR AQUI PERGUNTANDO POR MIM, DIGA QUE EU N�ƑO ESTOU E N�ƑO � PARA VOC�Š CONTAR A NING�ŠEM QUE ESTOU AQUI (PROCESSO CRIME, P. 25, GRIFO NOSSO).
AS PRIMEIRAS INFORMA��ES ACERCA DO CRIME DADAS POR [NEIDE], CONSTROEM [MARCOS] COMO ALGU�M QUE PLANEJAVA O CRIME. ESTAVA NA CASA DA SOBRINHA, QUANDO A MESMA O VIU SAIR EM DIRE��O � COZINHA, O QUE SE FAZ INTERPRETAR QUE HAVIA RETIRADO DALI A ARMA DO CRIME.
A DESCRI��O AFIRMA QUE [MARCOS] CHEGOU CORRENDO, PARECIA ESTAR ESCONDENDO ALGO NAS M�OS, ELA DIZ EM LINHAS ABAIXO, TERIA SIDO COM ELA O PRIMEIRO CONTATO APÓS ATACAR O VIG�RIO. MAS A INTENCIONALIDADE DO ESCRIV�O AO REDIGIR EM CAIXA ALTA AS PALAVRAS DE [MARCOS], CONDUZEM A QUESTIONAR POSTERIORMENTE ALGUMAS ALEGA��ES COMO APARECE AINDA NO DEPOIMENTO DE [NEIDE].
A DEPOENTE AFIRMA TER FICADO COM MEDO DO TIO E TER IDO AO ENCONTRO DE SUA M�E QUE SE ENCONTRAVA NO HOSPITAL DA CIDADE. [NEIDE] CONTA �S PESSOAS QUE ESTAVAM PRESENTES O QUE HAVIA OCORRIDO EM CASA, LOGO EM SEGUIDA � INFORMADA DE QUE A POL�CIA HAVIA PRENDIDO UM HOMEM CUJAS CARACTER�STICAS COINCIDIAM COM AS DE [MARCOS].
A NOTÍCIA SE ESPALHOU DE MANEIRA R�PIDA, V�RIAS PESSOAS AFIRMAVAM TER VISTO ALGU�M PASSAR CORRENDO COM UMA FACA NA M�O APÓS O ASSASSINATO COMETIDO NA PRA�A CRISTO REI. APÓS ESTAS INFORMA��ES, AO SER QUESTIONADA SOBRE O CONTATO QUE TINHA COM O TIO [NEIDE] D� ALGUMAS CARACTER�STICAS:
QUE A DEPOENTE TINHA POUCO CONTATO COM O TIO, MAS SEMPRE ACHOU NO MESMO ATITUDES ESTRANHAS, OLHARES DISTANTES, PARECENDO QUE NÃO SE ENCONTRAVA EM SI, DANDO RISADAS SEM MOTIVOS; QUE INCLUSIVE NO MOMENTO EM QUE CHEGOU COM A FACA NAS M�OS [MARCOS] CHEGOU DANDO RISADAS, APESAR DE MEIO APAVORADO; QUE A DEPOENTE NÃO TEM CONHECIMENTO SE SEU TIO J� FOI SUBMETIDO A INTERNAMENTO A MANIC�MIOS OU CASAS DE REPOUSO (PROCESSO CRIME, P. 25).
SUA PRIMEIRA INTEN��O � DEIXAR CLARO AO DELEGADO QUE NÃO HAVIA NENHUMA PROXIMIDADE ENTRE ELA E O TIO. [NEIDE], NEGA SUA PESSOALIDADE COM O TIO, PORÉM, TEM CONDI��ES DE CARACTERIZ�-LO FISICAMENTE.
O DELEGADO DIRECIONOU AS PERGUNTAS EM TORNO DAS INFORMA��ES RECEBIDAS, DA ESTRANHEZA DO COMPORTAMENTO DE [MARCOS] QUE A MESMA PODERIA TER OBSERVADO, MAS NUNCA COMENTADO POR SER UMA CONDUTA APARENTEMENTE NATURALIZADA NO SEIO FAMILIAR.
� NO ATO PRATICADO QUE RESIDE O FATO DE [NEIDE] FALAR SOBRE AQUILO QUE ANTERIORMENTE LHE CAUSAVA ESTRANHEZA, MAS QUE NÃO VIA NECESSIDADE DE ARGUMENTAR OU EXPOR. APENAS NO FATO DE RETIRAR A VIDA DO OUTRO, QUE SEU COMPORTAMENTO � VISTO COMO DEFINITIVAMENTE ANORMAL.
[MARCOS] COMO LOUCO INFRATOR COME�A A SER CONSTRU�DO NA NARRATIVA DE [NEIDE], MESMO DIZENDO-SE DISTANTE ELA AVISA A JUSTI�A DE QUE H� COMPORTAMENTOS DO TIO QUE FOGEM AO PADR�O DO QUE SE ENTENDE POR NORMALIDADE.
A SEGUNDA TESTEMUNHA OUVIDA NO DIA 06 DE JULHO, O SENHOR [JO�O] BARBOSA, PAI DO INVESTIGADO, SEGUIU A TRILHA CRIADA PELO DEPOIMENTO DE [NEIDE].
QUE SEU FILHO [MARCOS] ACERCA DE UM ANO E MEIO COME�OU A TER MUDAN�AS EM SEU COMPORTAMENTO, CLAMANDO AO DEPOENTE DORES DE CABE�AS E DIZENDO SEMPRE QUE OUVIA VOZES VINDO DE CANTO NENHUM, OU DIZIA AO DEPOENTE QUE OUVIA BARULHO DE CAVALOS ANDANDO AO SEU REDOR; QUE O DEPOENTE CHEGOU A LEVAR SEU FILHO POR V�RIAS VEZES EM UM CENTRO �€ŒESP�RITA�€ E A �€ŒBENZEDORES�€, MAIS SEM RESULTADOS. QUE PARA EVITAR GASTOS MAIORES LEVOU O SEU FILHO A UMA FARM�CIA, ONDE O FARMAC�UTICO RECEITOU V�RIOS COMPRIMIDOS PARA TOMAR; QUE O COMPORTAMENTO DE �€ŒTATA�€ ERA MUITO ESTRANHO, POIS O MESMO AS VEZES FICAVA COM A CABE�A ABAIXADO E AO LEVANTAR DAVA GARGALHADAS (PROCESSO CRIME, P. 27).
� ESTE O QUADRO DE DESENVOLVIMENTO DE SEU TRANSTORNO, DAS VOZES QUE TANTO PASSAM A ATORMENT�-LO, A ACUS�-LO, OFEND�-LO AT� CHEGAR AO PONTO DE MATAR O VIG�RIO DA CIDADE.
ESTAS QUEST�ES J� CONSTRU�AM O QUADRO DA INSANIDADE MENTAL, POIS, � REVELADO TAMB�M PELO PAI QUE UM ANO ANTES [MARCOS] HAVIA ATENTADO CONTRA A VIDA DE UM COMPANHEIRO DE TRABALHO.
A PARTIR DESTA NARRATIVA DO PROGENITOR, O DELEGADO INSTANTANEAMENTE LIGA A POSSIBILIDADE RELIGIOSA AO FATO. NAQUELE CONTEXTO PARECIA FAZER SENTIDO QUE A RELAÇÃO COM O ESPIRITISMO PUDESSE JUSTIFICAR O ATO VIOLENTO, COMO SE AS NARRATIVAS SOBRE MAGIA NEGRA PUDESSEM TRAZER EMBASAMENTO PARA A DOEN�A MENTAL COMO TAMB�M PARA O CRIME.
TAIS ELEMENTOS TOMAM GRANDE PROPOR��O NO CONTEXTO EM QUE A V�TIMA � UM REPRESENTANTE DA IGREJA CATÓLICA, EM UMA COMUNIDADE EXTREMAMENTE CRIST�.
NESTE SENTIDO, A CONSTRU��O DESTA NARRATIVA DO PAI NÃO ESCAPA AO CONTEXTO DA COMUNIDADE LOCAL, SEUS VALORES E PRECONCEITOS APARECEM NA INDU��O DAS PERGUNTAS QUE BUSCAM AS RAZ�ES DO CRIME COMETIDO POR [MARCOS]. OU SEJA, A PE�A PROCESSUAL ESTÁ IMERSA EM UMA TEIA DE REPRESENTA��ES E NÃO ESCAPAM DE TAIS INFLU�NCIAS EM SUA CONSTITUI��O.
NO ENTANTO, O MAIS IMPORTANTE DESTE DEPOIMENTO � QUE ELE NOS TRAZ A LINHA DE RACIOC�NIO DO DELEGADO, COMO ELE APROVEITA O FIO DEIXADO PELA TESTEMUNHA ANTERIOR E TENTAVA DE ALGUMA FORMA SEGUIR ESTES RASTROS. PORÉM, A QUESTÃO DA RELIGIOSIDADE, SENDO O CERNE DE SUA VERS�O, SÓ EVIDENCIA OS TRA�OS CULTURAIS AINDA ENVOLTOS EM PRECONCEITOS E NARRATIVAS DE EXCLUS�O.
NA SEQU�NCIA AO DEPOIMENTO DO PROGENITOR DE [MARCOS], CONSTAM NO PROCESSO, QUATRO DEPOIMENTOS. SÃO FALAS CURTAS DIRECIONADAS PARA A DESCRI��O DE [MARCOS], COM O OBJETIVO DE COLOC�-LO NA CENA DO CRIME.
DIANTE DOS DOIS PRIMEIROS DEPOIMENTOS � CLARA A ASSERTIVA EM RELAÇÃO � UMA POSS�VEL DOEN�A MENTAL, MAS O QUE SE V� NA INQUIRI��O DO DELEGADO � PROVAR QUE, NA VERDADE, TERIA SIDO CRIME LIGADO A QUEST�ES RELIGIOSAS, APROVEITANDO-SE DA DEMONIZA��O DE TAIS CREN�AS.
OUTRA IMPORTANTE PE�A � O ESCRIV�O POR SER RESPONS�VEL POR TRANSCREVER AS FALAS E TRANSFORMAR A ORALIDADE EM UMA NARRATIVA, EM OUTRA FORMA DE ENUNCIADO QUE PASSA A CONSTRUIR O CRIME.
� IMPOSS�VEL NEGAR QUE AS IMPRESS�ES DO ESCRIV�O PODEM TRANSPARECER NAS FALAS POR ELE REDIGIDAS, AS �NFASES, V�RGULAS, LETRAS MAI�SCULAS CORRESPONDEM AO SEU ENVOLVIMENTO COM O CASO, � SUA INDIGNA��O OU CONFORMA��O ANTE AO DELITO COMETIDO. � PRECISO TER EM MENTE, QUE O MESMO ESTÁ MERGULHADO NAQUELA SOCIEDADE, FAZ PARTE DOS C�RCULOS E RELA��ES E MESMO QUE A NEUTRALIDADE SEJA ALGO ALMEJADO, NÃO � ALCAN�ADA POR COMPLETO
CONCLUSဢES
O ATO DE IGNORAR O DISCURSO DO LOUCO, TRADUZIDO APENAS COMO DEL�RIOS, MUITAS VEZES AO INV�S DE BUSCAR COMPREEND�-LO OU CONTEXTUALIZ�-LO, TOMA-SE O CAMINHO MAIS CURTO: O DE DEIXAR PASSAR SEM MAIOR CUIDADO.
A LOUCURA � RELACIONADA COM O CRIME NA MEDIDA EM QUE NA BUSCA POR UMA RACIONALIZA��O DO FATO, A PRÓPRIA COMUNIDADE NÃO ENCONTRANDO A EXPLICA��O TRAZ O ELEMENTO DA DOEN�A MENTAL PARA CONSTRUIR UMA EXPLICA��O. NO ENTANTO, O INDIV�DUO NÃO DEIXA DE SER TRATADO COMO CRIMINOSO COMUM.
OS TRA�OS DE LOUCURA NÃO SÃO UTILIZADOS PARA QUE [MARCOS] POSSA RECEBER TRATAMENTO DIFERENCIADO. AO CONTR�RIO, PASSA A EXISTIR UM PESO DESSAS NARRATIVAS PARA CRIAR UMA JUSTIFICA��O PARA O CRIME, MAS NADA � DITO SOBRE O DIREITO DE SER ENCAMINHADO A UMA INSTITUI��O PRÓPRIA PARA RECEBER TRATAMENTO.
AS INDAGA��ES QUE PODEM SER PREVISTAS PELOS OS DEPOIMENTOS, TENTAM REFOR�AR A PREMEDITA��O DE [MARCOS] AO SAIR DA CASA DA SOBRINHA E FICAR EM FRENTE � RESIDÊNCIA DE SUA V�TIMA. O ARCO DRAM�TICO SE D� NA DESCRI��O DO ABRA�O DADO POR [MARCOS], QUE ENVOLVE O VIG�RIO E COM A OUTRA M�O O ATINGE COM A FACA.
ESTES ELEMENTOS RESSALTAM FRIEZA E CRUELDADE NO COMPORTAMENTO DE [MARCOS], ALGO QUE IRIA � CONTRAM�O DA IDEIA DE LOUCURA QUE ESTAVA SENDO TRABALHADA NOS DEPOIMENTOS ANTERIORES.
ESTE TEXTO NÃO � EVIDENTE NO DEPOIMENTO, PORÉM, � NA CONTEXTUALIZA��O DAS RESPOSTAS QUE SE CONSEGUE CHEGAR A TAIS POSSIBILIDADES NARRATIVAS. O CRIME DE MAGIA NEGRA, A LOUCURA, A SIMPLICIDADE DA FAMÍLIA, ELEMENTOS NECESS�RIOS PARA QUE A PROMOTORIA PUDESSE ELABORAR A SUA VERDADE SOBRE O CRIME.
PERCEBE-SE QUE, O APARATO POLICIAL AO ELABORAR ESTA POSS�VEL VERS�O ATRAV�S DOS QUESTIONAMENTOS DURANTE OS DEPOIMENTOS, NÃO PENSOU NA POSSIBILIDADE DE QUE [MARCOS] PODERIA SER CONSIDERADO INIMPUT�VEL.
EM MOMENTO ALGUM AS RESPOSTAS DÃO INDICATIVO DE SE PREOCUPAR DE TRATAR [MARCOS] DE FORMA DIFERENCIADA, O QUE DENUNCIA UM ASPECTO COTIDIANO DE QUE AO LOUCO INFRATOR EM GOI�S, EM PLENO FINAL DE SÉCULO XX, TINHA COMO DESTINO APENAS A CADEIA.

Publicado

2018-07-25