ANDRÀ©, CRIME E LOUCURA NO CONTO DE BERNARDO ÉLIS.
Abstract
INTRODUÇÃO
AS OBRAS LITER�RIAS SÃO PRODUZIDAS EM DETERMINADOS CONTEXTOS, SEJA QUAL FOR A TRAMA OU O ENREDO CONSTRU�DO PELO AUTOR, ELAS NÃO ESCAPAM DO MOMENTO VIVENCIADO POR ESTE. OS AUTORES SEMPRE EST�O IMERSOS EM UM CONTEXTO EM QUE SUAS SENSIBILIDADES SE REFLETEM EM SEUS TEXTOS. NESTE CRUZAMENTO ENTRE HISTÓRIA E LITERATURA COMPREENDE-SE AS SENSA��ES, AS TRADU��ES DO VIVIDO, COMO SENDO SENSIBILIDADES QUE,
SE EXPRIMEM EM ATOS, EM RITOS, EM PALAVRAS E IMAGENS, EM OBJETOS DA VIDA MATERIAL, EM MATERIALIDADES DO ESPA�O CONSTRU�DO. FALAM, POR SUA VEZ, DO REAL E DO NÃO REAL, DO SABIDO E DO DESCONHECIDO, DO INTU�DO OU PRESSENTIDO OU DO INVENTADO. SENSIBILIDADES REMETEM AO MUNDO DO IMAGIN�RIO, DA CULTURA E SEU CONJUNTO DE SIGNIFICA��ES CONSTRU�DO SOBRE O MUNDO. MESMO QUE TAIS REPRESENTA��ES SENS�VEIS SE REFIRAM A ALGO QUE NÃO TENHA EXIST�NCIA REAL OU COMPROVADA, O QUE SE COLOCA NA PAUTA DE ANÁLISE � A REALIDADE DO SENTIMENTO, A EXPERI�NCIA SENS�VEL DE VIVER E ENFRENTAR AQUELA REPRESENTA��O. SONHOS, E MEDOS, POR EXEMPLO, SÃO REALIDADES ENQUANTO SENTIMENTO, MESMO QUE SUAS RAZ�ES OU MOTIVA��ES, NO CASO, NÃO TENHAM CONSIST�NCIA REAL. (PESAVENTO APUD SANTOS, 2008, P. 43)
DESTA MANEIRA AS CONSTRU��ES DA LITERATURA FAZEM PARTE DO IMAGIN�RIO SOCIAL INSERIDO EM UM CONTEXTO CULTURAL. OS TEMAS E AS ABORDAGENS TRAZEM MUITOS ASPECTOS DESSE TEMPO QUE SE QUER REPRESENTAR, � DO PRESENTE DO AUTOR QUE, ATRAV�S DAS EXPERI�NCIAS DE SUAS PERSONAGENS, DISCUTE A TRADU��O DO MUNDO ATRAV�S DESSES SENTIMENTOS QUE TRAZEM O REAL MESMO ATRAV�S DE SENSA��ES.
NO CONTO ANDR� LOUCO DE BERNARDO �LIS, PUBLICADO PELA PRIMEIRA VEZ NO LIVRO ERMOS E GERAIS, A FIGURA DO ANORMAL NÃO APARECE APENAS PARA DISCUTIR O QUE � DOEN�A MENTAL, MAS PARA DEMONSTRAR AS RELA��ES, OS MEDOS E ANSEIOS QUE TODA UMA COMUNIDADE FAZ EM TORNO DA LOUCURA.
ASSIM, ANDR� NÃO CORRESPONDE APENAS � FIGURA DO LOUCO QUE DEVE SER EXCLU�DO, MAS DEMONSTRA COMO ESSA EXCLUS�O ACONTECE A PARTIR DOS CAUSOS E HISTÓRIAS QUE SURGEM NO LIMIAR DAS RELA��ES SOCIAIS. DA LIBERDADE � PRIS�O, BERNARDO �LIS TRADUZ UM DETERMINADO COSTUME EM GOI�S: O APRISIONAMENTO DE SEUS DOENTES MENTAIS. A ELIMINA��O DA FIGURA DA ESFERA PÚBLICA TORNARA-SE UMA PR�TICA COMUM DESDE CEDO NO ESTADO, O C�RCERE APARECE COMO �NICA SA�DA PARA A CONTURBADA RELAÇÃO ENTRE O LOUCO E A SOCIEDADE TIDA COMO NORMAL.
[...] NÃO SEI DE QUANDO DATA O USO DE SE REMOVER PARA A CADEIA PÚBLICA, OS LOUCOS QUE APARECEM NO ESTADO TRANSFORMANDO AQUELA PRIS�O EM HOSPITAL DE ALIENADOS; MAS O QUE � CERTO � QUE VEM DE LONGE ESTE H�BITO E O N�MERO DE LOUCOS CRESCE DIA-A-DIA, NÃO SE DEVENDO MANTER ESSE MANIC�MIO PROVISÓRIO, DENTRO DE UMA CIDADE, EM LUGAR CERCADO DE HABITA��ES DE FAMÍLIA. (O DEMOCRATA, 16/04/1926)
AS CADEIAS P�BLICAS, NÃO APENAS EM GOI�S, MUITAS VEZES FIZERAM �S VEZES DOS HOSPITAIS PSIQUI�TRICOS, PELA FALTA DOS MESMOS COMO TAMB�M PELA DIFICULDADE DE ANALISAR OS CRIMINOSOS E DEFINIR O QUE � LOUCURA E O QUE NÃO �. MUITOS LOUCOS TIVERAM SUA LIBERDADE CERCEADA POR CONTA DAS NARRATIVAS DE CRIME EM TORNO DE SUA LOUCURA.
PORTANTO, � ATRAV�S DAS REPRESENTA��ES CONSTRU�DAS NO CONTO DE BERNARDO �LIS, QUE SE PRETENDE AQUI ANALISAR A RELAÇÃO ENTRE NARRATIVAS DE CRIME, LOUCURA E O SERT�O. DESTA INTRINCADA TRAMA, QUE SE PRETENDE PERCEBER PARTICULARIDADES DESTE DITO ANORMAL EM ESPA�OS ONDE A MEDICINA AINDA NÃO ESTAVA INSTITUCIONALIZADA.
DEFINIR O QUE � LOUCURA E O QUE � NORMALIDADE EXERCE DE CERTA FORMA UM FASC�NIO, POIS A FRONTEIRA ENTRE UM E OUTRO TORNA-SE MUITO T�NUE VISTO QUE A LOUCURA E O LOUCO SÃO NARRATIVAS, SÃO CONSTRU��ES SOCIAIS E SÃO TERMOS CAMBIANTES. NESTE SENTIDO, O TEMA SURGE NÃO APENAS COMO POSSIBILIDADE DE SE REALIZAR CR�TICA, MAS TAMB�M UM GRANDE OBJETO DE PESQUISA PARA A HISTÓRIA.
NESTE CASO EM PARTICULAR, OBSERVANDO O CONTO DE BERNARDO �LIS, � INTERESSANTE ACRESCENTAR QUE ESSA CONFIGURA��O DO SUJEITO LOUCO, MUITAS VEZES VEM ACOMPANHADA DE MITOS, DE RITOS, DE HISTÓRIA DE CRIMES. ESSES CRIMES AUXILIAM NO PROCESSO DE CONSOLIDA��O DE UM ESTEREÓTIPO DO LOUCO, PRODUZEM UM IMPACTO NO IMAGIN�RIO SOCIAL E CRIA TIPOS MARCANDO, POR EXEMPLO, IMAGENS DA INF�NCIA.
ASSIM COMO MONSTROS EM UM QUARTO ESCURO, �LIS TRABALHA AS IMAGENS DA LOUCURA NAQUILO QUE FICA PARA A CRIAN�A. O CONTO TRATA-SE DAS MEMÓRIAS DE COMO UM GAROTO FICA FASCINADO E AO MESMO TEMPO TEME AQUELE ANDR�, QUE ANDAVA PELA CIDADE ARRASTANDO CORRENTES.
NESTE SENTIDO, BERNARDO �LIS REALIZA UMA DISCUSS�O EM TORNO DO LOUCO E DA LOUCURA EM RELAÇÃO � SOCIEDADE TIDA COMO NORMAL. COMO ESTE SUJEITO � INTERPRETADO, COMO ELE � CONSTRU�DO ATRAV�S DAS NARRATIVAS, QUAL A FORMA DE ATUA��O DOS NORMAIS EM RELAÇÃO AO ANORMAL, ESTÁ DESCRITO NAS P�GINAS DE ANDR� LOUCO.
ANDR� � UM PERSONAGEM SEM ROSTO, NO DECORRER DO CONTO NÃO � DADA A ELE UMA DESCRI��O DE FORMA QUE SE POSSA IMAGINAR SUA FISIONOMIA, APARECE COMO UMA MANCHA ESCURA. PORÉM, AO MESMO TEMPO, O FATO DE NÃO SER DESCRITO, DE NÃO TER DEFINIDO UM ROSTO, POSSIBILITA QUE V�RIOS OUTROS INDIV�DUOS, SUJEITOS SOCIAIS E HISTÓRICOS POSSAM SER CONSIDERADOS �€˜ANDR��€™.
O LOCAL ONDE SE DESENVOLVE A TRAMA DO ENREDO ESCOLHIDO � UM LOCAL DISTANTE, UMA CIDADE PEQUENA, QUASE ISOLADA, AO MESMO TEMPO TAMB�M � CARACTERIZADA COMO DECADENTE, SEM ATRATIVOS. � NESTE SERT�O, ASSIM COLOCADO NA OBRA, QUE SE DESENVOLVE AS LEMBRAN�AS
DO NARRADOR QUE RECORRE AOS TEMPOS DE MENINO PARA CONTAR TODOS OS ACONTECIMENTOS DA CIDADE EM TORNO DA LOUCURA DE ANDR�.
O NARRADOR J� ADULTO RECORDA DAS CONVERSAS, AS NARRATIVAS E SEUS MEDOS QUE ERAM CONSTRU�DOS, NA MAIORIA DAS VEZES, PELOS ADULTOS. DA MANEIRA COMO DESCREVE AS IMPRESS�ES QUE TEVE QUANDO PEQUENO NÃO DEVERIA SER TOTALMENTE INVEN��O, O QUE VIVEU A PARTIR DO MEDO DE ANDR�, FAZ PARTE DO QUE ELE � E COMO REPRESENTA O MUNDO.
MATERIAL E M�TODOS
NO LIMITE DO QUE � OU NÃO HUMANO ANDR� TAMB�M PASSA PELAS MESMAS MAZELAS F�SICAS EQUIVALENTES AS QUE DURANTE MUITO TEMPO FORAM UTILIZADAS COMO TRATAMENTO PSIQUI�TRICO. O FATO DE SER AMARRADO, DE SOFRER PRIVA��ES DE COMIDA E �GUA, ENTRE OUTROS MAUS TRATOS SERVE COMO BASE PARA DIVIDIR AS OPINI�ES DAS PESSOAS EM TORNO DO LOUCO. A SENSIBILIDADE DO AUTOR ESTÁ NO CONSEGUIR NÃO APENAS SENTIR E VIVENCIAR, MAS SER CAPAZ DE, NO CONTO, REALIZAR UMA CR�TICA FERRENHA � SOCIEDADE CONSTRU�DA NOS PADR�ES DA NORMALIDADE.
OS MESMOS PERSONAGENS QUE FALAM, QUE DESPREZAM, QUE CRITICAM A EXIST�NCIA DE ANDR�, PASSAM AO LONGO DO CONTO A SENTIREM A NECESSIDADE DE SUA PRESEN�A. NAQUELE SERT�O, A FIGURA DO LOUCO TOMA UMA PROPOR��O AINDA MAIOR. A GRANDE QUESTÃO TALVEZ ESTEJA NA FORMA DE COMO O SERT�O COMPREENDE O LOUCO E TAMB�M O UTILIZA. EM GOI�S, POR EXEMPLO, A CAPITAL GOI�NIA � CONSTRU�DA EM PADR�ES DE UMA MODERNIDADE QUE VISAVA CUNHAR UM NOVO COMPORTAMENTO SOCIAL QUE PUDESSE DEIXAR PARA TRAZ O MUNDO VELHO E ANTIGO DE VILA BOA.
� N�TIDO COMO A INTENCIONALIDADE DA DICOTOMIA ENTRE NOVO/VELHO, MODERNO/ATRASADO, AINDA PERDUROU NA FORMA DE SE TRATAR E LIDAR COM O LOUCO EM GOI�S NO SÉCULO XX:
AS PEQUENAS LOCALIDADES GOIANAS CONTEMPOR�NEAS, EMBORA COM MENOS ZELO E EXCESSO, TAMB�M NÃO DERAM MUITO ESPA�O � EXIBI��O DA PERSONALIDADE. PORÉM H� ALGUMAS PESSOAS COM UM MODO DE AGIR DIFERENTE DAS DEMAIS: SUA A��O NÃO � NORMATIZADA PELO COSTUME, MAS PELA MORALIDADE. ESSAS PESSOAS (OS LOUCOS, OS BOBOS, OS ALCOÓLATRAS, OS HOMOSSEXUAIS, ETC.) NÃO SÃO EXCLUSIVAS DAS PEQUENAS CIDADES. TODAVIA, NAS GRANDES CIDADES, O FATO DAS RELA��ES SEREM IMPESSOAIS (MAIS INDIVIDUALIZADAS) FAZ COM QUE SUAS MARCAS DISTINTIVAS PASSEM MAIS DESPERCEBIDAS - ELAS NÃO SE CRISTALIZAM NA MEMÓRIA. ELAS SÃO CONHECIDAS PELA CATEGORIA QUE OS REPRESENTA - MENDIGOS, ALCOÓLATRAS, DOENTES MENTAIS, MENOR ABANDONADO - ; NUNCA PELOS SEUS NOMES. (OLIVEIRA, 1999, P. 51)
ANDR� SE ENCONTRA NESTE LOCAL PEQUENO E DISTANTE, ONDE OS MORADORES SABEM SEU NOME, CONHECEM SUA ORIGEM. POR MAIS QUE A CATEGORIA LOUCO ESTEJA ALI REPRESENTADA, A NOMENCLATURA VEM ANTES DELA, POSSIBILITANDO UMA MAIOR INTIMIDADE ENTRE OS MORADORES E ESTE SUJEITO.
NESTE SENTIDO, OBEDECENDO � LÓGICA DA MARCHA PARA O OESTE IMPLEMENTADA PELO GOVERNO DE GET�LIO VARGAS, GOI�NIA SE TORNA NO IMAGIN�RIO SOCIAL GOIANO A JOIA QUE
SALVARIA A POPULA��O DO FRACASSO TOTAL, DE SUCUMBIR EM SI MESMO. NESTA MESMA POLÍTICA VARGUISTA, ESTÁ A PROLIFERA��O DOS HOSPITAIS PSIQUI�TRICOS A CARGO DO SERVI�O NACIONAL DE DOEN�AS MENTAIS, CUJO DIRETOR ERA ADAUTO BOTELHO. GOI�NIA � UMA DAS PRIMEIRAS CAPITAIS A INAUGURAR SEU SANATÓRIO EM 1954, A CATEGORIZAR SEUS TIPOS URBANOS, A APAGAR SEUS NOMES, NÃO DAR-LHES MAIS UM ROSTO.
POR MAIS QUE DE FATO A IDEIA DE DICOTOMIA DO ATRASO NÃO CONSIGA CONTEMPLAR A AMPLITUDE DO QUE DE FATO � O SERT�O, GOI�S VIVENCIA, PELO MENOS NO PLANO POL�TICO, NARRATIVAS QUE DESDE OS ANOS DE 1930 AT� MEADOS DE 1950 TENTAM MODERNIZAR O SERT�O. GENIALMENTE BERNARDO �LIS D� PARA SEU CEN�RIO AS DUAS COISAS: ANDR� � �NTIMO, MAS NÃO TEM ROSTO, � LOUCO. AO MESMO TEMPO EM QUE O CARACTERIZA TAMB�M O CATEGORIZA COLOCANDO-O NO LIMIAR ENTRE O SERT�O QUE RECONHECE O LOUCO E A CIDADE MODERNA QUE LHE RETIRA A IDENTIDADE.
ANDR� ANTES DE TUDO � UM TIPO URBANO, MUITO COMUM NAS CIDADES ONDE AS CRIAN�AS SÃO CONTROLADAS A PARTIR DE HISTÓRIAS EM TORNO DE UM HOMEM QUE CARREGA UM SACO, OU ROUBA CRIAN�AS. GERALMENTE RECEBEM APELIDOS E SÃO CONHECIDOS POR HISTÓRIAS QUE MUITAS VEZES AMEDRONTAM MENINOS E MENINAS ATRAV�S DO QUE ERA CONTADO PELOS MAIS VELHOS. NO CONTO DE BERNARDO �LIS ESSA RESPONSABILIDADE CABE � CRIADA DA CASA, A NEGRA JOANA, QUE NÃO APENAS D� OS TRA�OS DE SUA LOUCURA COMO TAMB�M COMPLEMENTA SUAS NARRATIVAS VINCULANDO A LOUCURA AO CRIME. ASSIM, O ADULTO QUE NARRA, REMEMORA SUA INF�NCIA E AO MESMO TEMPO DIZ SOBRE O MEDO CONSTRU�DO EM TORNO DE ANDR� LOUCO:
ELA COSTURAVA, A CABE�A INCLINADA, SUA SOMBRA VACILANTE PROJETADA DISFORME NA PAREDE, NO TETO SEM FORRO, E CONVERSAVA SOBRE ANDR� LOUCO; QUE ELE MATAVA TODO MUNDO; QUE ELE FIZERA BRAMURA; QUE ELE IA FUGIR E ESTRANGULAR HABITANTE POR HABITANTE DA CIDADE. (�LIS, 1978, P. 37)
O ADULTO QUE NARRA NÃO ESQUECE A FIGURA QUE O ATORMENTAVA, QUE POVOAVA SEUS MEDOS JUNTAMENTE COM OUTROS MITOS DO SERT�O QUE CRIAM IMAGENS QUE SE CRISTALIZAM NO IMAGIN�RIO SOCIAL. O SUJEITO HISTÓRICO QUE ATRAV�S DE SUAS LEMBRAN�AS NARRA OS ACONTECIMENTOS � CONSTRU�DO DESDE O MOMENTO QUE SE INCULCA NA CRIAN�A DETERMINADAS CRIA��ES MENTAIS. ASSIM, A NEGRA JOANA APARECIA COMO AQUELA QUE CONTAVA AS HISTÓRIAS, OS CAUSOS, COMO O DE MARAG�:
EU CONHECIA JO�O MANUEL. TINHA UMA OFICINA DE OURIVES MESMO NA CADEIA. IA A NOSSA CASA, �S SEXTAS-FEIRAS DA PAIX�O, VENDER AN�IS DE PRATA, MUITO EFICAZES CONTRA QUEBRANTOS. ERA MUITO BOM, DELICADO. JOANA CONTAVA QUE JO�O MANUEL MORAVA COM A IRM� E POR ISSO TINHA PARTE COM O DEM�NIO. A IRM� DELE ERA MARAG�, HABITAVA UMA BIBOCA PERTO DA FONTE DO FUNIL. [...] MARAG� COME�� A MOR� MAIS O IRM�O E FOI A M�E DELA PEG� A CENSUR� ESSA FALTA DE PRECEITO. BRADAVA CUM ELA TODO DIA, TODO DIA. PRENDIA A MO�A PARA ELA NÃO DRUMI CUM O IRM�O. UM DIA MARAG� TAVA FERVENDO UM TACHO DE SAB�O E A M�E FOI BRAD� CUM ELA; CUJA MARAG� IMPURR� L� DENTRO E MAT�. DA� PASS� A MOR� MAIS JO�O MAN�. POR ISSO AT� HOJE, SE MARAG� VISSE UM TACHO DE SAB�O, PODIA ELE ESTAR J� NO PONTO DE SECAR, A MASSA DESSORAVA, VIRAVA UM GODÓ FEDORENTO. CHEGAVA AT� A CRIAR BICHOS. NA QUARESMA
VIRAVA ASSOMBRA��O. VIRAVA UM CACHORR�O PELUDO QUE PERCORRIA OS QUINTAIS, DEPOIS DA MEIA-NOITE, COMENTO CUEIROS SUJOS DE OBRA DE MENINO NOVO. (�LIS, 1978, P. 08)
RESULTADOS E DISCUSS�ƑO
BERNARDO �LIS DEMONSTRA COMO AS ATITUDES DE UM SUJEITO TIDO COMO ANORMAL DIVIDEM AS OPINI�ES NO MEIO SOCIAL. AO PASSO QUE PARECIAM TER PENA E NÃO SE INCOMODAVAM COM SUA PRESEN�A, ERA A RAZ�O DAS CRIA��ES DE MITOS E HISTÓRIAS, ATRELANDO A SI TODO O COMPLEXO SOCIAL DA PEQUENA CIDADE.
NO ENTANTO, O AUTOR NÃO SE LIMITA A DEMONSTRAR AS RELA��ES PESSOAIS QUE GERALMENTE OCORREM NO SERT�O. A TRAJETÓRIA DE ANDR� VAI AL�M DO FATO DE SER CONHECIDO NA CIDADE PELO NOME, DE UMA RELAÇÃO MAIS PRÓXIMA DO QUE EM UM LOCAL TIDO COMO MODERNO. SEU NOME CATEGORIZADO: ANDR� LOUCO, NO T�TULO DO CONTO TRADUZ A DICOTOMIA EXISTENTE NAS DIFERENTES FORMAS DE SE INTERPRETAR O SUJEITO NO CONTEXTO DA LOUCURA.
AO PASSO QUE NAS PEQUENAS COMUNIDADES, A TEND�NCIA � QUE HAJA UMA RELAÇÃO MAIS �NTIMA COM A LOUCURA, AO CONTR�RIO DAS GRANDES EM QUE A NECESSIDADE � A CATEGORIZA��O NA PERSPECTIVA DA MODERNIDADE. NO CONTO SE FALA DO SERT�O, PORÉM, DEMONSTRA COM MAESTRIA TODO O PROCESSO A QUE O LOUCO � LEVADO QUANDO EM LOCAIS EM QUE O SABER M�DICO SE OCUPA DO MESMO.
DIANTE DA RESPONSABILIDADE DE DAR AO MEIO SOCIAL UMA VIS�O MODERNA, GOI�NIA, POR EXEMPLO, LOGO QUE � PROJETADA TEM UMA RELAÇÃO DIRETA E �NTIMA COM A TENTATIVA DE DAR AO ESTADO DE GOI�S UMA NOVA PERSPECTIVA FUNDAMENTADA EM UM PASSADO VELHO E ATRASADO. ALI AS RELA��ES PASSAM A SE DAR DE FORMA MENOS �NTIMA, DESAPARECEM OS NOMES, POIS A CI�NCIA M�DICA TOMA CONTA DE SEUS MALES, A PARTIR DAQUELE MOMENTO SEUS CORPOS, PENSAMENTOS E FALAS SÃO ESTRUTURADOS PELA PSIQUIATRIA.
O SANATÓRIO SURGE COMO O S�MBOLO DA LEGITIMIDADE DOS PSIQUIATRAS EM RELAÇÃO AO TRATAMENTO DADO AOS TIDOS COMO ANORMAIS, NESTE SENTIDO, ANDR� DEIXA DE SER ELE MESMO, DEIXA DE SER AQUELE QUE POVOAVA O IMAGIN�RIO DO NARRADOR DO CONTO, QUE ALIMENTAVA AS HISTÓRIAS DA NEGRA JOANA, PARA SER SIMPLESMENTE LOUCO. O MAIS INTERESSANTE � COMPREENDER COMO BERNARDO �LIS POSSIBILITA AS DUAS FORMAS NUM ÚNICO TEXTO, D� UM ASPECTO DE INTIMIDADE NO CONHECIMENTO DO LOUCO [QUANDO D� A ELE UM NOME], MAS TERMINA O CONTO DEMONSTRANDO COMO OCORRE A EXCLUS�O, A INSER��O DO SUJEITO EM UMA CATEGORIA.
CONCLUSဢES
BERNARDO �LIS REALIZA UM CONTO EM QUE O FOCO ESTÁ PRESENTE NA RELAÇÃO ENTRE DOIS LADOS DA SOCIEDADE: NORMALIDADE E ANORMALIDADE. ANDR� � ESTIGMATIZADO COMO LOUCO DESDE O T�TULO, LEVA AO LEITOR A NÃO SE PREOCUPAR DESDE QUANDO O PERSONAGEM � ASSIM
TRATADO, MAS A PREOCUPAR-SE COM A FORMA QUE SE RELACIONAM COM O MESMO E SUA POSS�VEL DOEN�A MENTAL.
A LITERATURA CUMPRE UM PAPEL ESSENCIAL DE POSSIBILITAR ATRAV�S DE PERSONAGENS FICT�CIOS NARRAR VIV�NCIAS QUE EST�O NO PLANO DO REAL, QUE FAZEM DA PARTE DA REALIDADE SOBRE A LOUCURA NO BRASIL. A DIFEREN�A NA FORMA DE MANTER VIVO O LOUCO QUE SE TEM NO SERT�O, A PERSPECTIVA DA CRIA��O DO MITO, � POSSIVELMENTE PERCEPT�VEL NO PROCESSO CRIMINAL DE MILAN�S BARBOSA DA SILVA, QUANDO O MESMO MATA UM PADRE NO INTERIOR DE GOI�S. UMA DAS TESTEMUNHAS EM SEU DEPOIMENTO DIZ: PRECISAMOS SAIR DESSA CIDADE; CIDADE QUE MATA PADRE ACABA.
ALI COMO NA CIDADE DE ANDR�, TODOS CONHECIAM MILAN�S, A RELAÇÃO ERA MAIS �NTIMA E, CONSEQUENTEMENTE, NARRATIVAS EM TORNO DA LOUCURA TAMB�M COME�AM A SURGIR DIANTE DO CRIME, DIANTE DA PRESEN�A DO INFRATOR, MAS SEM COGITAR A SUA AUS�NCIA PERP�TUA. DESSA FORMA A CONSTRU��O DE SI A PARTIR DO OUTRO SE TORNA MAIS CLARA E EVIDENTE QUANDO ESSA DISPUTA DE TERRITÓRIOS DE FALA E DE DIREITOS DE REPRESENTA��O CAEM NO PROCESSO DE ANULA��O DO OUTRO PELA FALTA DE RACIOC�NIO LÓGICO, POR UMA ESP�CIE DE INIMPUTABILIDADE.
BERNARDO �LIS NARRA O SERT�O, DESCREVE AS RELA��ES DO MESMO COM A LOUCURA, SEM COM ISSO DEIXAR DE DEMONSTRAR QUE AS FORMAS DE EXCLUS�O SÃO AS MESMAS EM QUALQUER LUGAR. ENFATIZA AINDA NAS ENTRELINHAS DO TEXTO SOBRE A NECESSIDADE DA PRESEN�A DO LOUCO PARA QUE O NORMAL POSSA DE FATO SE VER, PARA QUE SUA EXIST�NCIA DE FATO TENHA SENTIDO. SEJA COM OU SEM OS HOSPITAIS PSIQUI�TRICOS, AS SOCIEDADES CRIAM SUAS ZONAS PATOLÓGICAS, PROCURAM SEUS LOUCOS, ESTABELECEM TERRITÓRIOS E NARRAM SOBRE OS MESMOS, CONSTRUINDO A SI ATRAV�S DA FRIC��O FRONTEIRI�A ENTRE O NORMAL E O PATOLÓGICO.