A influência midiática no caso "Boate Kiss"

Autores

  • Lucas Martins Miranda Faculdade Evangélica de Goianésia
  • Quétsia Guedes
  • Luana de Miranda Santos

Palavras-chave:

caso Boate Kiss, mídia, dolo eventual

Resumo

Em 27 de janeiro de 2013, na cidade de Santa Maria (RS), a Boate Kiss organizou uma festa universitária chamada "Agromerados". A Banda Gurizada Fandangueira se apresentava no palco quando um dos integrantes disparou um artefato pirotécnico que atingiu parte do forro do prédio, incendiando-o. As chamas se espalharam rapidamente, matando 242 pessoas e ferindo outras 636. 

No processo criminal foram responsabilizados os empresários e sócios da Boate Kiss Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, o vocalista da Banda Gurizada Fandangueira Marcelo de Jesus dos Santos e o produtor musical Luciano Bonilha Leão. No interrogatório,  Elissandro Spohr garantiu que agiu de acordo com a legalidade e negou que tivesse autorizado o uso de artefatos pirotécnicos pela banda. O sócio Mauro Hoffmann se defendeu dizendo que não acompanhava as decisões tomadas por Elissandro, já que era apenas investidor. O vocalista Marcelo dos Santos, por sua vez, afirmou que era de conhecimento geral que a banda utilizava fogos de artifícios e, durante o show, com a mão para o alto, não foi possível apagar o fogo mesmo com uso do extintor. O produtor musical Luciano Leão, responsável por adquirir e acender o artefato pirotécnico, disse que não recebeu nenhuma orientação sobre o uso de fogos no interior da boate.

Outrossim, o Ministério Público, representado pelos promotores de justiça David Medina da Silva e Lúcia Helena Callegari, sustentou a tese do dolo eventual, no qual o indivíduo, mesmo tendo previsão do resultado, opta por praticar o ato. Ressaltou ainda que não caberia a culpa, de modo que a pena seria inferior – insuficiente para reparar o dano causado. Em contrapartida, os advogados da defesa, Jader Marques, Tatiana Borsa, Mário Cipriani, Bruno Seligman de Menezes, Jean de Menezes Severo, Gustavo da Costa Nagelstein e Antônio Prestes do Nascimento optaram por pedir a absolvição ou desclassificação do crime, argumentando que os acusados não agiram com desprezo à vida humana, afirmando que haveriam outros responsáveis pela tragédia que não apenas os quatro réus. O promotor Ricardo Lozza foi um dos apontados, já que teria negligenciado a condução do inquérito civil público destinado a apurar ocorrência de poluição sonora na Boate Kiss, o que implica justamente com possível omissão de parte do então prefeito da cidade Cezar Schirmer. A notitia criminis, contudo, foi arquivada.

Apesar de o processo ter sido iniciado em Santa Maria, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu transferir o julgamento para o Tribunal do Júri de Porto Alegre, dada a comoção da cidade, garantindo a composição do Conselho de Sentença estabelecido no art. 449 do Código de Processo Penal. Assim, com base nas argumentações da acusação e da defesa, o juiz Orlando Faccini Neto anunciou a decisão do Tribunal do Júri, que decidiu pela condenação dos quatro réus por homicídio e tentativa de homicídio por dolo eventual, com penas entre 18 e 22 anos de prisão.

O advogado, professor e jornalista Azor Lopes da Silva Júnior ressalta que a conduta dolosa é caracterizada pelo autor que quer obter o resultado ou assume o risco de causá-lo. Por outro lado, quando há imperícia, negligência ou imprudência a conduta deve ser classificada como culposa e, em casos de grande repercussão midiática, juízes e promotores têm adotado dolo direto, seja eventual ou alternativo, em detrimento da culpa consciente, uma vez que a primeira modalidade é mais gravosa que a última, gerando um sentimento de justiça perante a sociedade.

Ademais, logo após receber a sentença condenatória, os quatro réus foram beneficiados com um habeas corpus preventivo concedido pelo desembargador do Tribunal de Justiça do estado, porém o Ministério Público recorreu ao Supremo Tribunal Federal que, por sua vez, entendeu que as penas devem ser cumpridas imediatamente em função da decisão soberana do júri, atendendo aos requisitos do art. 492, §4º do diploma processual penal. O Ministro Luiz Fux acrescentou que impedir a imediata execução da pena imposta pelo Tribunal do Júri abala a confiança da população na credibilidade das instituições públicas, bem como o necessário senso coletivo de cumprimento da lei e de ordenamento social. Ainda, as defesas protocolaram um pedido para anular a decisão do presidente do STF, porém o ministro Dias Toffoli negou, reafirmando que não houve ilegalidade na decisão anterior.

Referências

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Publicado

2022-09-05