A DOSIMETRIA DA PENA E A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DOS CRITÉRIOS “PERSONALIDADE DO AGENTE” E “CONDUTA SOCIAL” NA FIXAÇÃO DA PENA BASE
Palavras-chave:
Dosimetria, Direito Penal do Fato, Direito Penal do Agente, Personalidade, Conduta socialResumo
INTRODUÇÃO
A dosimetria da pena é realizada, no Brasil, através do sistema trifásico, ou seja, a análise da fixação da pena é dívida em três partes, na qual o magistrado, valendo-se do seu poder jus puniendi, irá impor ao indivíduo a sanção penal, em decorrência do delito cometido. As previsões acerca da dosimetria estão no Código Penal Brasileiro, entre os artigos 59 e 68.
Na 1 ª fase ocorre a fixação da pena base ou em abstrato. O juiz levará em ponderação as circunstâncias presentes no artigo 59, do Código Penal, para fixar um intervalo de pena inicial. Analisa-se critérios como: culpabilidade, antecedentes criminais, conduta social, personalidades do agente, motivos, circunstâncias e consequências do crime e o comportamento da vítima.
Na 2ª fase o magistrado deve analisar as circunstâncias genéricas (agravantes e atenuantes). As atenuantes reduzem a pena (artigo 65 do Código Penal), entre elas, a confissão espontânea. As agravantes estão descritas nos artigos 61 e 62 do Código Penal, sendo a mais conhecida a reincidência.
Na terceira fase e última etapa são analisadas as causas de aumento e diminuição da pena, presentes ao longo de todo o Código Penal, na própria descrição do tipo penal incriminador.
Assim o juiz no final do processo trifásico, seguindo os parâmetros legais, determinará, dentro dos limites legais de cada conduta típica, a pena que será imposta.
Partindo disso, esse trabalho analisa a primeira fase da dosimetria e a fixação da pena base, ponto de partida para a aplicação da sanção penal. O questionamento que se levanta é sobre a legitimidade do Direito Penal para incidir sobre as circunstâncias presentes no artigo 59, pontualmente os critérios da conduta social e da personalidade do agente. Pode o juiz valer-se das de critérios tão subjetivos quando da quantificação da pena? O objetivo é verificar a constitucionalidade dos requisitos supracitados e como os mesmos são utilizados pelos
magistrados para recrudescer a punição de determinados grupos a partir da noção de etiquetamento social.
Ao ser colocada em pauta a análise de fatores tão íntimos do ser humano, constata-se que o foco em questão, não recairá somente sobre a prática delitiva, mas também sobre a própria pessoa do réu.
METODOLOGIA
Este trabalho é realizado a partir de noções de criminologia crítica, tendo como norteadoras as concepções de etiquetamento social. Assim sendo, possui metodologia dedutiva e analítica. Foram utilizados como fontes de pesquisa livros, artigos bem como a própria lei penal e constitucional.
1- DOSIMETRIA DA PENA: ASPECTOS DA CONDUTA SOCIAL E DA PERSONALIDADE DO AGENTE COMO AFRONTA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUICIONAIS
A conduta social do agente e sua personalidade são circunstâncias presentes no rol do artigo 59 do Código Penal. A conduta social está relacionada ao comportamento do acusado diante da sociedade, seu relacionamento com os familiares e amigos, no ambiente de trabalho. Ou seja, é a maneira como interage e se comporta diante da comunidade em geral. Já a personalidade está relacionada com critérios biológicos, com o íntimo do agente, com o que o mesmo absorve ao longo do tempo e que definirá como se comportar e conduzir suas interações sociais. (CRUZ,2016)
Na primeira fase da dosimetria, o jurista, valendo-se de tais critérios apresentados pelas testemunhas ou pelo próprio acusado ao longo dos depoimentos, aumentará ou diminuirá a pena base do acusado, servindo-se da aceitação de uma tipicidade material, sem exigência de tipo formal. Zaffaroni (2009, p. 13) alerta o seguinte: “A culpabilidade pela conduta de vida é o mais claro expediente para burlar a vigência absoluta do princípio da reserva leal, por meio do qual se pode chegar a reprovar os atos mais íntimos do indivíduo”.
Um sistema penal que pune aquele considerado “tendencioso” à pratica delitiva, ou que represente um perigo para a sociedade, somente por ser quem é, configura-se um nítido ofensor ao princípio constitucional da legalidade. O artigo 5º da Constituição Federal, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Com isso pode-se
extrair de tal dispositivo legal, que somente a lei poderá criar direitos, vedações e obrigações, não sendo legítima a utilização do critério da conduta social ou da personalidade do agente, já que não configuram atos típicos.
Ainda, o artigo 5º da Constituição, em seu inciso XXXIX, traz que: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem cominação legal”. Trata-se do princípio da anterioridade, fundamental ao estudo do Direito Penal. A conduta ou a personalidade são considerados atípicas, sem fundamentação legal e puni-las não faz sentido em um Estado Democrático de Direito. A respeito do assunto Batista (2008, p.6), diz que “formular tipos penais “genéricos ou vazios”, valendo-se de “clausulas gerais” ou “conceitos indeterminados” ou ambíguos”, equivale teoricamente a nada formular”.
Com isso, percebe-se que a aplicação dos critérios supracitados, ampara-se na culpabilidade do caráter do agente, do seu estilo de vida, o que caracteriza uma afronta ao princípio da culpabilidade, o qual analisa uma conduta a qual deve ser definida como criminosa, e que seja reprovada em juízo. Damásio de Jesus diz que “a pena só pode ser imposta a quem, agindo com dolo ou culpa, e merecendo juízo de reprovação, cometeu um fato típico e antijurídico”. (2011, p.53)
2- PERSPECTIVAS SOCIAIS: DIREITO PENAL DE FATO X DIREITO PENAL DO AGENTE
A aplicação do artigo 59 do Código Penal está relacionada com o Direito Penal do agente e o Direito Penal do fato. Um indivíduo deve ser punido pelo direito penal do fato, ou seja, pelo o que ele fez? Ou deve ser punido pelo direito do agente, pelo que ele é?
O ordenamento jurídico brasileiro adotou a forma de caracterização do crime o direito penal do fato. Daí porque todas as condutas entendidas como criminosas estão tipificadas, em observância aos princípios da legalidade, reserva legal e anterioridade. Ou seja, para todos que cometerem o mesmo delito, tem-se a mesma pena cominada, como forma de trazer segurança jurídica à sociedade.
No entanto, o que o artigo 59 do Código Penal Brasileiro faz, ao trazer critérios subjetivos para a aplicação da pena, é se afastar do Direito Penal do fato, e se aproximar do Direito Penal do agente.
Tal previsão legal deve ser lida pela lente da teoria do etiquetamento social, pois se uma pessoa que reside em um bairro pobre, é negra e tem baixa escolaridade, tem condutas sociais enxergadas pela classe rica e branca como inadequadas e passíveis de punição. No
momento do julgamento o local onde ela mora, seus amigos, as festas que frequenta, o tipo de trabalho que realiza, de roupa que veste, pode influir na dosimetria da pena, o que não faz sentido e traz segurança jurídica.
Dentre os tipos de autores, se destacam os tipos normativos de autor e os tipos criminológicos do autor. Os tipos normativos compreendem uma proporção de valores, na qual serve para se valorizar os fatos realizados pelos autores. Os tipos criminológicos levam em consideração que a personalidade do autor corresponde com as características do criminoso. (BRUNONI, 2007).
Na perspectiva sobre o princípio da culpabilidade ZAFFARONI-PIERANGELI (2010, p.107) observa, que “um Direito que reconheça, mas que também respeite, a autonomia moral da pessoa jamais pode penalizar o ser de uma pessoa, mas somente o seu agir, já que o direito é uma ordem reguladora de conduta humana. Não se pode penalizar um homem por ser como escolheu ser, sem que isso violente a sua esfera de autodeterminação”.
CONCLUSÃO
Com o estudo, conclui-se que os critérios da conduta social e personalidade do agente, trazidos pelo artigo 59 do Código Penal, e que compõem a primeira fase da dosimetria da pena ferem vários preceitos constitucionais, entre eles as noções de legalidade, reserva legal, anterioridade.
O magistrado ao cumprir o Código Penal utilizando-se da personalidade do agente e de elementos relativos a como ele se relaciona em sociedade para dosar a punição, afastando-se do fato que cometido. Ou seja, ao cumprirem a lei, seus operadores estão se afastando da constituição e da própria noção de justiça. Nesse sentido Ferrajoli (2002, p.290): “as normas vigentes num Estado de Direito podem ser, assim, ademais de eficazes e ineficazes, também válidas ou inválidas, quer dizer juridicamente legítimas no plano formal, mas não no material”
Devemos primar pela segurança trazida pelo Direito Penal do fato, na análise do crime praticado. Por isso a dosimetria da pena, deve ser bem feita pelos juristas, visando não somente o olhar técnico do sistema penal brasileiro e sim um olhar social e através de critérios objetivos. Uma vez que “um cidadão pode ser punido por aquilo que fez e não pelo que é” (FERRAJOLI, 2002, p.178).