COVID 19 X CONSTITUIÇÃO FEDERAL: OS DIREITOS CONSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE PANDEMIA

Autores

  • Jéssica Vitória Santos Faculdade Evangélica de Goianésia
  • Talita Michelle Silva Santos Faculdade Evangélica de Goianésia
  • Cristiane Ingrid de Souza Bonfim

Palavras-chave:

Pandemia. Covid-19. Direitos

Resumo

A disseminação da pandemia pelo COVID-19 alterou os rumos do direito
constitucional brasileiro, em tempos de incerteza e instabilidade social, onde os direitos
passam a ter outra visão fática, havendo a necessidade de repensar as questões jurídicas no
País. Esse momento complexo pelo qual o mundo passa, está exigindo do governo mudanças
urgentes naquilo que é considerado compatível com o regime regular.
Ademais, a pandemia impôs a violação de diversos direitos fundamentais, não se
limitando apenas aos individuais e coletivos dispostos no artigo 5°, bem como, os direitos
sociais constantes do artigo 6°. Esse direitos inerentes a todo cidadão brasileiro, mesmo que,
protegido por texto constitucional, foram, de certa forma, deixados de lado por um bem
maior, qual seja, a proteção à vida.
Neste sentido, impende destacar a proposta cogitada pelo Presidente da Câmara dos
Deputados e aprovada pelo Senado, que por sua vez, objetivou desprender o Orçamento da
União, visando o que seria ou não considerado emergencial. Dessa maneira, esclarece Pedra
(2020, p.17):
[...] a ideia de separar o orçamento e os gastos realizados para o combate à pandemia
do orçamento geral da União ensejou a proposta de emenda constitucional - PEC nº
10/2020 (chamada de PEC do “orçamento de guerra”) [2] . Segundo o seu texto, a
União adotará regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para atender
as necessidades decorrentes da pandemia pública de importância internacional,
durante a vigência de calamidade pública nacional, naquilo em que a urgência for
incompatível com o regime regular.
Desse modo, resta induvidoso que a situação pandêmica acarretada pela COVID-19
abala até mesmo a lei máxima do País, sendo esta a Constituição Federal de 1988. Noutra banda, vale observar a respeito dos direitos políticos que na maior parte, estão basicamente
elencados nos arts. 14,15 e 16 da própria Constituição Federal. Dessa forma, faz- se
imprescindível trazer a baila a respeito do direito de votar, assegurado pela própria
Constituição, visto que os direitos políticos são fundamentais, pois é a partir da participação
do povo nas eleições que se configura o chamado estado democrático de direito (KIMURA,
2002).
Nessa mesma linha de raciocínio, entende Pedra (2020, p.18):
[...] medidas sanitárias restritivas de locomoção e reunião de pessoas podem levar
inclusive, a depender da evolução do quadro de contágio no Brasil, ao adiamento
das eleições municipais previstas no texto constitucional para ocorrer em outubro
(artigo 29, II) de 2020; o que também depende de uma emenda constitucional.
Diante do exposto, percebe-se que devido ao estado de calamidade algumas
mudanças poderão ser ocorridas, para que assim sejam evitadas aglomerações. Logo, insta
esclarecer que a Lei de nº 13.679 de 6 de fevereiro de 2020 permite que seja adotado algumas
medidas, tais como: isolamento, quarentena, restrição de entrada e saída do País, por rodovias,
portos ou aeroportos, requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, dentre
outras.
Ademais, como bem explicado por Rocha (2020, p. 33):
[...] a perspectiva de se proteger a sociedade ante as dificuldades que a vida impõe a
todos fica evidente e didaticamente exposta quando se depara com as agruras que o
país atravessa hoje, em razão da escassez de serviços essenciais de saúde e restrição
da mobilidade social. É reconhecido o fracasso mundial em relação à prevenção da
pandemia que hoje o mundo enfrenta.
Com o implemento da Lei n° 13.979/2020 medidas de isolamento social e restrições
de locomoção foram estabelecidas, ocasionando uma situação de anormalidade social e
política no Brasil, com o intuito de reduzir os números de contagio e preservar o cidadão.
Nesse contexto, medidas foram tomadas sem a observância das limitações circunstanciais que
são impedimentos de emendas constitucionais em períodos excepcionais que possam
comprometer a idoneidade e legitimidade nesse processo de alteração do texto constitucional.
Como destaca Pedra (2020, p.54):
A ideia é impedir que ocorram mudanças na Constituição em um momento em que
os cidadãos ou os seus representantes não tenham liberdade para decidir, diante de
fatos de grande potencial de instabilidade social. O constituinte preocupou-se em
evitar que houvesse reforma constitucional nessas circunstâncias, haja vista que a
produção constitucional exige serenidade, estabilidade e equilíbrio, que se ausentam
em ocasiões dessa natureza.
Em contrapartida, é indiscutível que a Constituição Federal ocupa o ápice da
pirâmide normativa, uma vez que a mesma é a norma suprema do ordenamento jurídico mais
importante, dessa feita, insta esclarecer que é através da Constituição que todas as outras
normas serão extraídas, tendo em vista que as outras terão que tirar seu fundamento de
validade através da própria Constituição.
Com esse entendimento, a Constituição é considerada rígida, haja vista que para
cogitar a alteração da mesma, é necessário que venha a ter um processo legislativo mais árduo
e solene, mais dificultoso do que o processo de alteração em comparação com as normas não
constitucionais. Entretanto, à exceção da Constituição de 1824, uma vez que esta vem a ser
considerada semirrígida, todavia, todas as Constituições brasileiras, inclusive a de 1988,
foram rígidas. (LENZA, 2012). A rigidez da Constituição Federal de 1988 está disposta nos
incisos I, II e III do art. 60, no qual dispõe:
I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado
Federal;
II - do Presidente da República;
III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação,
manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros
(CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988, online)
Outro exemplo relacionado à rigidez da CF/88 é o § 2 do próprio art. 60 que
determina um quorum de três quintos dos votos dos respectivos membros, bem como a
votação em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos.
Acerca do exposto supramencionado, torna-se evidente que a Constituição não é
imutável, e esse fato se dá pela inconteste afirmação de ser o cidadão o protagonista do
ordenamento jurídico. Por conseqüência disso, as leis são criadas para atender o ser humano,
em virtude de estar à sociedade em contínua mutação, e em constante revisão de valores, bem
como de ideias e objetivos. Logo, para Lenza (2012, online), “imutáveis seriam aquelas
Constituições inalteráveis, verdadeiras relíquias históricas e que se pretendem eternas, sendo
também denominadas permanentes, graníticas ou intocáveis”.
Insta mencionar ainda acerca das limitações circunstanciais dispostas no art. 60 , §1º,
em que pese impede a Constituição de ser emendada na vigência de intervenção federal de
estado de defesa ou de sítio. O objetivo principal das limitações circunstanciais é colocar a
Constituição a salvo, impedindo que aconteçam alterações contaminas por um ambiente
conturbado em que tais situações os membros do órgão reformador estarão em um momento
de forte emoção ou até mesmo coação (PEDRA, 2020).
Indubitavelmente evidencia-se a imprescindibilidade de adoção de medidas
normativas diversas da constitucional em tempos de crise, a Pandemia do COVID-19 mesmo
com proporções cataclísmicas em comparação as crises anteriores, se fortalecendo no cenário
jurídico e consumindo o obstáculo refletido nos direitos fundamentais. Nesta senda, expressa
Bahia (2020, p.237)
Este estado permanente de crises construiu no imaginário coletivo uma aceitação de
que a restrição a direitos fundamentais é inevitável e que se deve excepcionar a
Constituição em tempos de crises; os sucessivos fenômenos designados por crise
produziram no imaginário social a aceitação irrefletida e acrítica das medidas de
restrição a garantias constitucionais.
Dessarte, as restrições tem se tornado uma resposta para a crise, limitando direitos
fundamentais e impondo a cultura de que a aceitação dessas restrições, bem como, a
propagação da solidariedade em um país com imensas desigualdades sociais, reduziria os
impactos causados pela pandemia, ocorrendo na verdade, uma relativização da Constituição.
Fica evidente o conflito entre a realidade fática e a normatividade da Constituição
Federal, mesmo que esta tem previsão expressa para momentos emergenciais, seu objetivo é
de resguardar os direitos dos cidadãos. Acerca do tema Bahia (2020, p. 241) defende que:
Os parâmetros de aceitação das medidas restritivas advindas da Pandemia serão
determinados pelo processo de aceitação irrefletida e acrítica decorrente do estado
permanente de crise. E será ainda mais acrítica em razão da dimensão alargada da
crise atual. É preciso, portanto, manter a Constituição como elemento central de
construção das respostas às crises, rejeitando a possibilidade de relativização de suas
regras a cada nova crise, por maior que seja esta.
Nesse viés, insta registrar a necessidade de implementar normas específicas de cunho
social, e não somente transformar a pandemia em uma perspectiva político/econômica,
tornando-se primordial a intervenção estatal com o propósito de manter a ordem econômica e
de zelar do amparo a sociedade como um todo, estando o Brasil diante de uma indiscutível
oportunidade de assentar-se com o compromisso democrático e social que firmou com a
Constituição de 1988.

Referências

BAHIA, Saulo José Casali (Org.) Direitos e deveres fundamentais em tempos de
coronavírus / organização de Saulo José Casali Bahia. São Paulo: Editora Iasp, 2020.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.
htm. Acesso em: 30 mai. 2020.
BRASIL. Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Dispõe sobre as medidas para
enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do
coronavírus responsável pelo surto de 2019.
KIMURA, Alexandre Issa. Manual de direito eleitoral. São Paulo: Editora Juarez de
Oliveira, 2002.
LENZA, PEDRO. Direito Constitucional Esquematizado. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
Online.
MELO, E.; BORGES, L.;SERAU JUNIOR, M. A. (Orgs). Covid-19 e direito brasileiro:
mudança e impactos. São Paulo: 1.ed. Tirank lo Blanch, 2020.
PEDRA, Adriano Sant’Ana. A Constituição Viva: poder constituinte permanente e
cláusulas pétreas na democracia participativa. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016.

Downloads

Publicado

2021-02-23